Só leia isso se você realmente quiser motivar seus alunos!

20 de maio de 2020
Por Marden Rodrigues

Você abre o programa de videoconferência e está prestes a começar a aula. Metade da turma está com a câmera desligada e, sem microfone, você está longe de poder garantir que eles acompanharão o conteúdo. Foi um tremendo esforço (que só você sabe) preparar a aula para poder fazer um bom trabalho, mas é um pouco frustrante sentir que poucos são os alunos que realmente tirarão o verdadeiro proveito do seu trabalho. Os demais, infelizmente, não parecem engajados.

O problema acima não é só seu, ou de mais meia dúzia de professores e coordenadores pedagógicos. Estamos falando de milhares de pessoas querendo descobrir, finalmente: como engajo meus alunos nesses novos formatos de educação, abastecidos de tecnologia e distanciamento físico?

Responder a essa pergunta é exatamente o objetivo deste texto. Vou compartilhar com você três estratégias para engajar seus alunos e utilizar uma experiência de aprendizagem bem sucedida como pano de fundo.

Em primeiro lugar, precisamos falar sobre motivação

Estudar o campo da motivação tem sido tarefa árdua do campo da psicologia e da neurociência desde muito tempo. Afinal, empresas querem saber como motivar seus funcionários, políticos querem saber como motivar seus eleitores, assim como muitas outras pessoas que tiveram a vontade de influenciar a atitude de outros em algum momento. Definitivamente, não é um assunto novo.

 

Portanto, a esta altura, já entendemos que existem elementos extrínsecos, isto é, que geram motivação porque você quer obter algo (um resultado que está fora de você) e intrínsecos, ou seja, que não dependem de um resultado final e envolvem prazer pelo próprio processo.

 

Elementos intrínsecos que estão te fazendo ler esse texto agora mesmo podem ser a sua curiosidade e o prazer de aprender algo novo. Por outro lado, um elemento extrínseco influenciando a mesma atitude poderia ser a chance de finalmente ter mais alunos participativos. Com isso, quero demonstrar que elementos dos dois tipos podem atuar simultaneamente, levando um indivíduo à ação!

Entendi… Mas então, como motivo meus alunos?

Uma vez entendidos os conceitos anteriores, finalmente podemos ir direto ao ponto. Vou apresentar abaixo três estratégias incríveis para motivar seus aprendizes a participarem mais ativamente.

 

A referência teórica que mais gostamos sobre o assunto é um especialista em gamificação chamado Yu-kai Chou. Ele é o designer de experiências autor do livro Actionable Gamification (nosso queridinho aqui na Barkus) e do Octalysis Framework, um modelo incrível de como podemos inserir elementos de jogos em diferentes realidades para motivar pessoas pelas duas vias (extrínseca e intrínseca).

Estratégia 1: usando pontos de maneira diferenciada

Vamos começar pelo mais fácil? Nós já estamos acostumados, de certa forma, a dar pontos para os nossos alunos desde sempre. Pois bem, com o conhecimento adquirido acima, já é possível concluir que estabelecer uma média mínima para “passar de ano” ou concluir o curso trata-se de um elemento de motivação extrínseca. Afinal, os pontos são um resultado externo aos estudantes que eles precisam buscar.

 

Contudo, nem sempre precisamos nos encaixar em um modelo de 0 a 10 como as provas regularmente fazem. Um professor e pesquisador pernambucano chamado Nilton Melo fez diferente… Ele conta sua história no vídeo abaixo, mas logo a seguir chamo a atenção para os trechos que nos possibilitarão ilustrar na prática.

Nilton combinou com seus alunos que passaria a converter o valor entre 0 a 10 que costuma ser dado de nota em uma pontuação que podia chegar até 2.000 pontos. Para passar, cada estudante deveria acumular, pelo menos, 1.500 (o que seria equivalente a aproximadamente 7). Contudo, para alcançar esse valor, cada aluno poderia escolher atividades entre diversas opções disponíveis.

 

Os alunos poderiam escolher entre fazer um resumo de um livro, montar uma apresentação, fazer um relatório de uma pesquisa, entre outras atividades (até mesmo fazer uma prova). Cada atividade garantia uma pontuação diferente, que era definida pelo professor a partir do nível de dificuldade. Essa pontuação ia se acumulando ao longo do tempo até o final do período letivo e ficava disponível em uma planilha que poderia ser acessada a qualquer momento por todos.

 

Portanto, em tese, cada estudante poderia passar pela disciplina sem fazer a prova, desde que tivessem feito outras atividades que lhe fossem mais convenientes, mais agradáveis ou mais alinhadas com seu perfil de aprendizagem.

 

Na prática, essa experiência de aprendizagem equilibrou uma estratégia que costuma ser totalmente voltada para a motivação extrínseca (obtenção de pontos para passar) com outras duas, que são, segundo o Yu-kai Chou, extremamente poderosas para o estímulo à motivação intrínseca: a autonomia de escolha (ou empoderamento) e a influência social (que explicarei mais adiante).

Isso é importante, porque, se pensarmos bem, o modelo tradicional de ensino foi projetado quase que exclusivamente em torno de elementos extrínsecos. E, como o próprio Yu-kai Chou diz:

Vários estudos têm mostrado que, uma vez que um elemento de motivação extrínseca deixa de ser oferecido, a motivação que sobra tende a ser menor do que quando ele foi implementado. — Yu-kai Chou  (tradução própria)

Um exemplo que gosto de usar para esse caso é o do desenhista. Imagine que eu tenho um hobby de desenhar. Amo fazer desenhos, especialmente caricaturas. Em um belo dia, você me pede para que eu faça uma caricatura sua. Já que eu tenho paixão por isso e posso colocar minha criatividade em prática livremente (100% motivado intrinsecamente), irei fazer de bom grado sem cobrar um centavo seu.

No mês seguinte, você retorna, pedindo que eu faça, dessa vez, uma caricatura da sua irmã. É aniversário dela e você gostaria de fazer uma surpresa. Além disso, por achar fascinante como meu último desenho ficou, você passa a achar justo me pagar uma quantia de, por exemplo, cinquenta reais, pelo desenho. Feliz da vida, farei novamente o desenho e entregarei a você com a maior satisfação.

 

O problema começa quando, a partir das próximas vezes, você passe a continuar os pedidos, mas não consiga me pagar o mesmo valor, reduzindo seu pagamento cada vez mais até chegar a zero (assim como no caso do primeiro desenho). Pesquisas mostram que, a partir desse ponto, eu me negarei a fazer o desenho a você. Isto é, apenas o farei caso seja pago.

 

Em outras palavras, quando as pessoas passam a ser motivadas por resultados externos a elas (como ganhar dinheiro, conseguir uma nota, etc), isso pode gerar um desequilíbrio que tende a reduzir drasticamente a motivação intrínseca inicial, fazendo com que a pessoa não veja mais sentido em continuar.

 

É por esse motivo que é tão importante equilibrar os dois lados e é com isso em mente que quero que te convidar a conhecer mais profundamente a segunda estratégia utilizada pelo professor Nilton Melo: a autonomia de escolha (ou empoderamento).

Estratégia 2: autonomia de escolha

Você já percebeu o quanto se sente no controle da situação quando pode tomar uma decisão entre algumas opções? Esse sentimento é o que o autor Charles Duhigg do livro “Mais rápido e melhor” associa ao lócus de controle interno.

O autor cita em seu livro uma pesquisa conduzida pelo Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos que mostrava que os fuzileiros mais bem-sucedidos eram aqueles com um forte “lócus de controle interno” , isto é, uma crença de que eles podiam influenciar o próprio destino por meio das escolhas que faziam. Isso está totalmente alinhado com o modelo do Yu-kai Chou, que afirma:

As pessoas se motivam quando estão em um processo criativo onde têm que, repetidamente, decidir, descobrir e tentar diferentes combinações de solução. — Yu-kai Chou (tradução própria)

Portanto, ao permitir que os alunos escolham entre diferentes tipos de tarefa para conquistar os pontos necessários, o professor Nilton Melo potencializou a motivação intrínseca. A partir desse momento, cada estudante passa a trilhar um caminho próprio e único, o início de uma jornada de aprendizagem personalizada.

E não acaba por aí. A terceira estratégia que está inserida nesse mesmo modelo de exemplo também faz toda diferença: aquilo que o Yu-kai Chou chama de “Influência social”.

Estratégia 3: influência social

Esse elemento de motivação está por trás do sucesso das principais redes sociais de hoje em dia. Nós somos seres sociais, que buscam a interação e o status. Ao disponibilizar a todo tempo uma planilha onde todos os alunos podiam acompanhar suas notas em tempo real, o professor Nilton Melo não apenas criou um dispositivo de feedback constante (que também é importante para o lócus de controle interno, uma vez que permite que saibam o resultado de suas decisões), mas também possibilitou que os alunos se percebam em relação aos outros, gerando uma competição saudável.

Por fim, como isso tudo pode ser replicável para aulas em videoconferência e outros meios de ensino remoto?

Perceba que cada um dos itens acima não depende de interação física ou de recursos tecnológicos muito avançados para acontecer. Os pontos podem ser lançados em uma planilha do Google pública e os alunos podem entregar as atividades escolhidas por e-mail. Também existem outras ferramentas digitais que podem ser utilizadas para esse objetivo, mas esse assunto fica para um próximo post.

A grande mensagem é que desenhar experiências mais engajadoras no ensino remoto ou à distância não depende de inteligência artificial ou de um computador de última geração. Tudo é muito mais sobre compreender cada vez mais sobre aquilo que nos move. E, claro, estar disposto a lidar com uma forma diferente de avaliar (assunto para outro post também, hein).

Dito isso, preciso te deixar aqui uma última mensagem, como companheiro educador.

Eu sei que, se pudéssemos, controlaríamos todas as variáveis para potencializar o aprendizado dos nossos estudantes e fazer um bom trabalho. Mas, para o nosso próprio bem, também precisamos entender até onde vai a fronteira da nossa intervenção.

Ninguém tem o poder absoluto de motivar alguém de verdade. Tudo que podemos fazer é arquitetar elementos que impulsionam motivação no ambiente e na forma como conduzimos experiências de aprendizagem. Contudo, isso é apenas um conjunto de estímulos, isto é, que vem de fora. Ainda é papel das próprias pessoas decidirem se isso será suficiente para criar motivos para ação.

Estou dizendo isso para amenizarmos um pouco a pressão interna que carregamos por resultados excelentes o tempo todo. Às vezes, o mais importante a se fazer não é jogar os planos no lixo e recomeçar do zero…e sim repensar nossas definições de sucesso.

Cuide da sua saúde mental para continuar fazendo seu belo trabalho. Obrigado pelo seu esforço diário.

Até a próxima.

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