Capacitação dos colaboradores: uma estratégia para reduzir as desigualdades

  • 26 de agosto de 2022
  • Por Clarissa Machado

Quando a pandemia de Covid-19 começou, diversas empresas foram obrigadas a adotar, às pressas, o modelo de home office. Nesse contexto, as disparidades entre os funcionários começaram a aparecer: enquanto uns contavam com uma estrutura de escritório dentro de casa, outros precisavam se espremer na mesa de jantar ou no sofá; uns contavam com internet de alta velocidade, enquanto outros só tinham os dados móveis do celular.

 

Assim como em outros espaços, para além do mundo do trabalho, a pandemia apenas intensificou desigualdades que já existiam antes dela. Há muitos caminhos para reduzir essas disparidades entre os funcionários das empresas, mas, aqui, destacaremos um dos principais: a capacitação desses profissionais.

 

O representante do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no Brasil, Morgan Doyle, disse em uma conferência, realizada em 2021, que o investimento em capacitação para o desenvolvimento de habilidades digitais pode contribuir para frear a crescente desigualdade social na América Latina. Esse é um dos caminhos que as empresas podem seguir para reduzir também suas desigualdades internas, seja por meio de capacitação tecnológica, como também de outras habilidades fundamentais para alavancar as carreiras de seus colaboradores.

 

No Brasil, há uma disparidade salarial muito grande entre os diferentes cargos e perfis. Entre os CEOs e seus demais colaboradores, por exemplo, há um abismo: nas 88 empresas listadas no Ibovespa em 2021, a remuneração média anual dos CEOs foi 111 vezes maior do que a remuneração média anual dos funcionários dessas mesmas companhias. O levantamento foi feito pelo especialista em governança corporativa Renato Chaves, em parceria com a Fundação Getulio Vargas.

 

Para Tarso Oliveira, fundador da consultoria de diversidade Troca, o acúmulo de capital nos cargos mais altos contribui para o aumento das desigualdades. Foi tentando melhorar esse cenário que ele fundou a Troca, um negócio de impacto social que organiza processos seletivos para grupos diversos, como mulheres, pessoas negras, pessoas com deficiência e LGBTQIAP+.

 

Esses são os grupos que mais sofrem com as desigualdades, tanto na sociedade no geral, quanto no ambiente corporativo. As mulheres, por exemplo, ganham cerca de 20% a menos que os homens no Brasil, mesmo quando têm o mesmo perfil de escolaridade e a mesma categoria de ocupação, segundo levantamento da consultoria IDados, com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para Tarso Oliveira, essa desigualdade entre os gêneros prejudica muito o processo de construção de carreira, já que as mulheres que decidem engravidar, por exemplo, têm muita dificuldade de retomarem suas carreiras após o nascimento dos filhos. Isso se deve ao fato de as tarefas de cuidado da criança e da casa recairem, principalmente, sobre essas mulheres, que passam a enfrentar uma jornada tripla de trabalho.

 

Um outro estudo, realizado pela Catho, indicou ainda que profissionais negros recebem até 34,15% a menos do que trabalhadores brancos em todos os níveis hierárquicos e de escolaridade. Segundo o fundador da Troca, as empresas têm uma grande chance de combater essas desigualdades internas e de reduzir as desigualdades sociais como um todo, “ao contratarem e capacitarem diferentes perfis e se posicionarem ativamente nas causas que combinam com a sua marca e que tenham uma familiaridade com seu mercado”. No entanto, há um detalhe importante: o posicionamento também precisa ocorrer fora das datas comemorativas.

Diversidade o ano inteiro

É muito comum nos depararmos com empresas que distribuem rosas para suas colaboradoras no dia 8 de março, que é o dia internacional da mulher; ou com logotipos e imagens coloridas com as cores da bandeira LGBTQIAP+ em junho, quando é celebrado o dia internacional do orgulho LGBTQIAP+ e até mesmo empresas que convidam lideranças negras para palestrarem em novembro, o mês da consciência negra. A pergunta que fica é: o que essas empresas fazem em prol da diversidade no restante do ano?

 

“A gente precisa ter dados sobre diversidade para implementar estratégias de diversidade. Mais importante do que as datas comemorativas, é criar ações pautadas na realidade daquela empresa”, explica Tarso Oliveira.

Esses dados sobre diversidade podem ser obtidos por meio de questionários respondidos pelos funcionários, por exemplo, ou por conversas específicas sobre o tema. Depois de entender melhor qual é a realidade dos colaboradores, é possível tomar decisões mais assertivas sobre quais ações serão necessárias para alavancar as carreiras de cada um, incluindo a capacitação, que é um ótimo caminho para esse objetivo:


“A educação está diretamente ligada ao desenvolvimento socioeconômico, mesmo dentro da realidade das empresas, então eu acredito que quando a gente põe a educação dentro desse processo, a pessoa fica muito mais preparada para os desafios que, antes, ela não poderia enfrentar tão bem”, ressalta o fundador da Troca.

 

Segundo Oliveira, a capacitação ajuda o funcionário a ser mais bem remunerado naquela empresa, o que além de melhorar sua qualidade de vida, reduz as disparidades salariais entre os cargos. Quando falamos de grupos minoritários, oferecer essas oportunidades de qualificação pode ajudá-los a alcançarem patamares mais justos e próximos de seus colegas mais privilegiados. Além disso, o colaborador assume responsabilidades que não tinha antes e tem a oportunidade de alavancar sua carreira. Um estudo da Hays Brasil indicou que um dos benefícios mais desejados pelos colaboradores é o incentivo financeiro para cursos, o que sugere que a capacitação é mesmo importante e valorizada por esses funcionários.

Diversidade é dinheiro?

E não são só os funcionários que se beneficiam da redução das desigualdades, uma vez que as empresas também têm muito a ganhar. Para além do compromisso social que as corporações devem ter para a construção de um mundo melhor, empresas inclusivas e diversas são 11 vezes mais inovadoras e têm funcionários seis vezes mais criativos do que a concorrência, de acordo com pesquisa da Accenture. Além disso, as empresas que veem a diversidade como parte da estratégia de seus negócios, têm mais chances de lucrar acima da média do mercado, segundo relatório da consultoria McKinsey feito em 15 países, incluindo o Brasil.


Um outro aspecto que tem levado as empresas a se preocuparem mais com a diversidade e com a equidade é o tão falado ESG. A sigla em inglês remete às estratégias de governança ambiental, social e corporativa que as empresas estão buscando implementar em seus negócios. No Brasil, já há um índice de ESG para mensurar essas práticas nas empresas listadas na bolsa de valores, a B3. Além disso, um estudo da Bloomberg estima que a agenda ESG deve atrair US$ 53 trilhões em investimentos em 2025, o que sugere que a estratégia não só é uma tendência, como também está caminhando para ser um requisito de competitividade.


No entanto, assim como no caso das datas comemorativas relacionadas à diversidade, é muito importante ter cuidado para não transformar a agenda ESG em uma “fachada”. Há, inclusive, um termo para isso: o “greenwashing”, que remete a uma tentativa de mostrar uma imagem sustentável e responsável das empresas, enquanto as práticas ruins são mascaradas.


Assim como o fundador da Troca, Tarso Oliveira, já trouxe, é fundamental mapear dados sobre a realidade dos colaboradores para implementar ações materiais e que sejam, de fato, eficazes para a redução das desigualdades dentro da empresa e fora dela. Nesse sentido, a capacitação, certamente, é uma dessas ações, já que reforça o potencial transformador da educação também no ambiente corporativo.

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